entrelinhas...

".. uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida..."
Clarice Lispector

Um lugar incomum..

"Viver é ser outro,nem sentir é possível,se hoje se sente como ontem se sentiu,sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir;é lembrar hoje o que se sentiu ontem,ser hoje o cadáver vivido do que ontem foi a vida perdida."
Fernando Pessoa.

sábado, 7 de novembro de 2015

Essa é sobre você...


"Pelo retrovisor enxergamos tudo ao contrário
Letras, lados, lestes
O relógio de pulso pula de uma mão para outra e na verdade... ]
[ nada muda
A criança que me pediu dez centavos é um homem de idade ]
[ no meu retrovisor
A menina debruçando favores toda suja
É mãe de filhos que não conhece
Vendeu-os por açúcar
Prendas de quermesse
A placa do carro da frente se inverte quando passo por ele
E nesse tráfego acelero o que posso
Acho que não ultrapasso e quando o faço nem noto
O farol fecha...
Outras flores e carros surgem em meu retrovisor
Retrovisor é passado
É de vez em quando... do meu lado
Nunca é na frente
É o segundo mais tarde... próximo... seguinte
É o que passou e muitas vezes ninguém viu
Retrovisor nos mostra o que ficou; o que partiu
O que agora só ficou no pensamento
Retrovisor é mesmice em dia de trânsito lento
Retrovisor mostra meus olhos com lembranças mal resolvidas
Mostra as ruas que escolhi... calçadas e avenidas
Deixa explícito que se vou pra frente
Coisas ficam para trás
A gente só nunca sabe... que coisas são essas"

Sombras, estilhaços, cicatrizes, escolhas..
Me desfaço em laços para poder esquecer das linhas que se ligam e que por muito tempo sugeriram um caminho que não me levava até você, revejo e não reconheço, como eram frágeis essa segurança quanto a paz.
Quando traço, me estraçalho, quando uno me desmonto e quando vejo, desapareço em um passado que não participei, e enlouqueço untando lãs que fizeram seu corpo morada e costuraram todos os seus sentimentos. Desmorono quando penso o quanto pensou em alguém que não eu,  quando percebo que sua boca pronunciou a muitas outras bocas os beijos e palavras que hoje adoçam minha fonte, felizes daqueles que não tem passado, benditos daqueles que os sepultam de maneira que não renasçam em gestos peculiares que tornam-se comum a medida que se percebem e aparecem sem causa, mas que torturam as imaginações férteis.
Talvez você não sinta nada, mas a incerteza me destroça, queria que essas palavras fossem criadas do seus fragmentos destinadas a mim, queria que nesse cruzamento de corpos e vidas tivessem sido a causa de tudo que criou.
Paguei o preço por seguir minhas tristezas e hoje adoeço pelos pesares que me fizeram ficar, e agora para onde ir?
Emudeço, pois sei que minha razão segue a lógica da loucura de não ter poder para fazer nada, meu presente é concreto, mas cheio de gotículas de memórias que você viveu.
Estou aos pedaços por enxergar a semelhança de um discurso pronto, dito a qualquer coração que vagou e te encontrou.
Eu sigo os traços, ligo os pontos ,descubro o encoberto e me desfaço.
Quantas frases de amor foram formuladas em suas conexões.
Para quantas foram esses tantos dizeres?
Quão reais foram esses sentimentos?
E desse amor, quantos resquícios?
Em quantos corpos esses dizerem pousaram?
O que garante que não mudarás de fonte novamente?
Sua tinta é gasta, de tantas palavras que já pintou, mas o que fazer com esses cadernos se meus pinceis também não estão frescos?
É tortuoso palpar esses papéis, que em mim escorrem fel.
Eu te perdi no meio dos meus diálogos intensos, estou estancando minha frustração de saber que viveu tanto quanto eu, que amou e acreditou.
Quem é mais culpado daquele adeus?
Eu que escolhi parti, partindo também meu coração, sem ao menos imaginar que haveria volta e tantos emaranhados, ou você que mentiu e jurou sob um cadáveres de possíveis futuros abandonados por imaturidade?
Estou embaraçada, pela ressaca dos amores passados .
Me sinto como vento agora, que arrasta consigo tudo aquilo que todo resto deixou para trás .
Me sinto como aquela criança assustada que vê fantasmas enquanto todos dormem.
Me sinto como uma rocha que endureceu e não conseguiu seguir com o balanço da maré, que depende do que é móvel para toca-la.
...
Cada silaba é um conjunto de mágoas, os acentos acentuam a raiva, os espaços aproximam o rancor, os travessões me separam dos diálogos e o silêncio hoje é uma conversa inteira, os pontos não exclamam, mas me questiona ...
Pobre das costas do vento, das portas dos armários e das minhas criações.Pobre de mim . Pobre de nós.